
'Nepo kids' do Nepal: ostentação de filhos de autoridades nas redes sociais alimentou onda de protestos no país
O Nepal vem sendo palco de protestos violentos desde segunda-feira (8). Vídeos postados nas redes sociais têm atuado como combustível para alimentar a revolta que levou a população às ruas.
O alvo da indignação dos manifestantes são as autoridades do país. Os nepaleses, principalmente da geração mais jovem, acusam os políticos de corrupção e os culpam pela situação de pobreza vivida na maior parte do país.
Desde a semana passada, vídeos e fotos que mostram o estilo de vida privilegiado dos filhos da elite vêm sendo compartilhados em redes como o TikTok com a hashtag #nepokids - termo usado online para definir herdeiros de privilégios.
Os posts, que mostram filhos e netos de políticos do Nepal em férias luxuosas e vestindo roupas elegantes, sugerem que os jovens expostos lucraram com as conexões de suas famílias e os condenam, classificando-os como "hipócritas" em um país onde um em cada cinco vive na pobreza.
"Milhares desses vídeos estão se tornando tendências no ecossistema digital do Nepal. O contraste entre o privilégio da elite e as dificuldades cotidianas tocou profundamente a geração Z e, rapidamente, se tornou uma narrativa central que impulsionava o movimento", afirma Raqib Naik, diretor executivo do Centro de Estudos do Ódio Organizado, um grupo de vigilância sediado em Washington que monitora o extremismo e a desinformação online no sul da Ásia ao jornal "The New York Times".
A proibição de curta duração das mídias sociais pelo governo irritou ainda mais os manifestantes, que a viram como uma tentativa de controlar as críticas às desigualdades.
Entre os conteúdos mais compartilhados estão vídeos de Sayuj Parajuli, filho do ex-presidente da Suprema Corte, posando em restaurantes sofisticados e ao lado de veículos de alto padrão, e imagens de Saugat Thapa, filho do ministro da Justiça, exibindo marcas como Louis Vuitton e Cartier (veja no vídeo acima).
"Ostentando abertamente carros e relógios de luxo nas redes sociais. Já não estamos cansados deles?", diz a legenda de um dos vídeos postados.
Com a viralização de posts como esses, uma das exigências feitas pelos manifestantes, mesmo após a renúncia do primeiro-ministro, é a formação de uma comissão especial para investigar a origem da riqueza dos políticos do país, que eles acreditam vir da corrupção.
A Transparência Internacional, uma organização independente sem fins lucrativos, já classificou o Nepal como um dos países mais corruptos da Ásia.
"A revolta contra os 'nepo kids' no Nepal reflete a profunda frustração pública", destaca Yog Raj Lamichhane, professor assistente da Escola de Negócios da Universidade Pokhara, no Nepal, à TV Al Jazeera.
Entenda a seguir:
Entenda como a fúria da geração Z levou o Nepal ao caos
O Nepal presenciou, entre segunda-feira (8) e terça-feira (9), uma fulminante revolta da geração Z contra o governo, motivada pelo contraste entre a ostentação de políticos e a pobreza da população. O bloqueio de redes sociais foi visto como a gota d'água para uma revolta sem precedentes no país.
Contexto: A onda de protestos que mergulhou o país no caos gerou imagens históricas na capital, Katmandu. Durante as manifestações, prédios governamentais e casas de ministros foram incendiados. Em cenas brutais, autoridades do governo foram arrastadas pela multidão e agredidas.
A desigualdade social é um dos principais pontos de descontentamento dos jovens nepaleses que levaram milhares de pessoas às ruas. Segundo o Banco Mundial, os 10% mais ricos ganham mais de três vezes a renda dos 40% mais pobres do país.
Um em cada cinco nepaleses vive na pobreza. Além disso, 22% dos jovens entre 15 e 24 anos estão desempregados. O Nepal está na lista da ONU de 44 países menos desenvolvidos do mundo.
Gaurav Nepune, um dos líderes dos protestos, disse que os jovens vinham conduzindo uma campanha online havia três meses para expor o contraste entre a vida dos políticos e a das pessoas comuns.
Usuários passaram a criticar a elite nepalesa publicando fotos de filhos de políticos ostentando luxo, enquanto jovens de famílias pobres precisam deixar o país para sustentar seus parentes.
Em meio a isso, escândalos de corrupção beneficiaram políticos. A impunidade alimentou ainda mais a revolta da população.
Força da juventude: As manifestações foram fortemente organizadas por jovens da "Geração Z". Esse é o nome popular dado às pessoas nascidas entre 1995 e 2009, com algo entre 16 e 30 anos.
É a primeira geração considerada nativa digital, já que cresceu em meio à internet, smartphones e redes sociais.
Por isso, esse grupo costuma ser descrito como mais conectado, crítico e engajado em debates sobre diversidade, sustentabilidade e política, além de ter hábitos de consumo e comunicação moldados pelo ambiente digital.
A agitação popular, que resultou no incêndio da sede do governo, do Parlamento e da Suprema Corte, é a pior em décadas no país.
O país enfrenta instabilidade política e econômica desde a década de 1990, quando uma guerra civil que durou 10 anos resultou na abolição da monarquia nepalesa, em 2008.
Por ser muito recente, a democracia no Nepal ainda é considerada muito frágil.
Ainda assim, segundo o Índice de Democracia de 2025, publicado pelo V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, o Nepal é classificado como uma democracia eleitoral — no mesmo patamar de Brasil, Argentina e Polônia.
Atualmente, o país é governado pelo presidente Ram Chandra Poudel, de centro-esquerda. Já Khadga Prasad Oli, primeiro-ministro que renunciou após a escalada nos protestos, é do Partido Comunista.